Desserviço à educação

Editorial do Diário do Nordeste
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Apresenta várias nuances a polêmica travada em torno do livro didático "Por uma vida melhor", da coleção Viver e Aprender, distribuído a quase meio milhão de estudantes pelo Programa Nacional do Livro Didático, com erros gramaticais. Embora aflore, como pretexto, o chamado preconceito linguístico em torno do choque entre a norma culta da Língua Portuguesa e a linguagem popular, revela aspectos mais graves da crise que pesa sobre a educação básica, com destaque para a Língua Pátria.

O grave nessa questão é o clima desencadeado pela obra e suas consequências perniciosas, reconhecidas e apontadas por professores, escritores, gestores escolares e pessoas de bom senso, e a posição do grupo restrito de escritores de livros didáticos sob encomenda da editora para a ONG Ação Educativa, nele incluída a autora da obra polêmica. Há também outra agravante: há 30 anos, pelo menos, livros didáticos, eivados de erros, estariam circulando nas escolas públicas.

A própria autora de "Por uma vida melhor", professora Heloísa Ramos revela: "O livro é fruto da minha carreira. Escrevi o que já havia praticado." Em síntese, ela pretende difundir, como válido, o uso da língua popular, sem excluir seus erros gramaticais. Os seguidores da corrente da linguagem coloquial pretendem substituir a classificação de certa ou errada por adequada ou inadequada.

A diversidade na cultura brasileira produziu, pelo menos, oito subculturas distintas. Serviu como paradigma o dialeto caipira, corporificado por Amadeu Amaral. Por esse critério, o País contaria com as subculturas gaúcha, paulista, carioca, mineira, baiana, cearense, maranhense e amazonense, todas com cosmovisão, ethos, indumentária, gastronomia e falares distintos. Nesses complexos culturais, há uma linguagem oral distinta da escrita, incorporando os regionalismos típicos.

Mas nem assim, há impedimentos para se nivelar a linguagem oral ao código escrito da língua culta. A diferenciação entre a linguagem oral e a linguagem escrita é consequência da falta de escolaridade. O Brasil não logrou sucesso, até hoje, em nenhuma de suas campanhas de alfabetização de crianças, jovens ou adultos. Quando universalizou a matrícula da escola fundamental, viu cair a aprendizagem.

Na escola regular, as deficiências no ato de aprender a língua culta decorre do abandono dos métodos pragmáticos de outrora, quando havia uma carga obrigatória de leitura, do ditado e da descrição nas séries iniciais do ensino fundamental, aliados à tabuada. A pedagogia dispõe no presente de meios para absorção dessas noções elementares, porém, distantes de seu emprego, por conta da pobreza predominante na escola pública, onde o único recurso existente é o quadro de giz.

Essa obra didática que conflita com a norma culta da língua, exigida de todos os brasileiros, foi distribuída para jovens e adultos, matriculados entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental. Como a rede oficial tem seu planejamento baseado na norma culta, esse livro veio para confundir, desservir, desorientar e alimentar conflitos. Refugá-la é proteger a língua nacional e estimular sua aprendizagem.


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