Artigo - Educação inclusiva & educação especial: propostas que se complementam no contexto da escola aberta à diversidade



Stephen Eastop

Rosana Glat*
Márcia Denise Pletsch**
Rejane de Souza Fontes***

* Profa. Dra. da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ - Coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação.
** Doutoranda em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ.
*** Doutoranda em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ.

No Brasil, vem crescendo nos últimos anos o discurso em prol da Educação Inclusiva, com base na consigna “Educação para Todos”. Nesse contexto, a Educação Especial — que historicamente foi responsabilizada pela educação de indivíduos com deficiências, distúrbios graves de aprendizagem e /ou de comportamento e altas habilidades — vem ganhando maior visibilidade nos debates político-educacionais. Partindo desta perspectiva, o presente artigo apresenta uma breve discussão sobre o processo de implantação da Educação Inclusiva no Brasil, analisando o conceito de necessidades educacionais especiais e o papel da Educação Especial no âmbito desta política. A reflexão aqui apresentada é de que o suporte da Educação Especial é imprescindível para a implementação e o êxito da Educação Inclusiva em nosso país.

Palavras-chave: Educação Inclusiva. Educação Especial. Necessidades Educacionais Especiais.

Introdução

A Educação Especial tradicionalmente se configurou como um sistema paralelo e segregado de ensino, voltado para o atendimento especializado de indivíduos com deficiências, distúrbios graves de aprendizagem e / ou de comportamento, e altas habilidades. Contudo, a partir das últimas décadas, em função de novas demandas e expectativas sociais, os profissionais da área têm se voltado para a busca de outras formas de educação escolar com alternativas menos segregativas de absorção desses educandos nas redes de ensino.

Esse processo vem se acelerando, sobretudo, a partir dos anos 1990 com o reconhecimento da Educação Inclusiva como política educacional prioritária na maioria dos países, entre eles o Brasil. O princípio básico da Educação Inclusiva é que todos os alunos, independente de suas condições sócio-econômicas, raciais, culturais ou de desenvolvimento, sejam acolhidos nas escolas regulares, as quais devem se adaptar para atender às suas necessidades, pois estas se constituem como os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias (UNESCO, 1994).

Educação Inclusiva significa pensar uma escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem (PLETSCH e FONTES, 2006; GLAT e BLANCO, 2007). Para tornar-se inclusiva, a escola precisa formar seus professores e equipe de gestão, bem como rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e que nela interferem. Isto implica em avaliar e re-desenhar sua estrutura, organização, projeto político-pedagógico, recursos didáticos, práticas avaliativas, metodologias e estratégias de ensino.

Portanto, mais do que uma nova proposta educacional, a Educação Inclusiva pode ser considerada uma nova cultura escolar: uma concepção de escola que visa o desenvolvimento de respostas educativas que atinjam a todos os alunos, independente de suas condições intrínsecas ou experiências prévias de escolarização. Diferenciando-se da escola tradicional que exige a adaptação do aluno às regras disciplinares e às suas formas de ensino, sob pena de punição e/ou reprovação, a escola inclusiva preocupa-se em responder às necessidades apresentadas pelo conjunto de seus alunos e por cada um individualmente, assumindo o compromisso com o processo ensino-aprendizagem de todos (GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA e SENNA, 2003, GLAT; FONTES e PLETSCH, 2006; GLAT e BLANCO, 2007).

Cabe enfatizar, porém, que Educação Inclusiva não consiste apenas em matricular o aluno com deficiência em escola ou turma regular como um espaço de convivência para desenvolver sua ‘socialização’. A inclusão escolar só é significativa se proporcionar o ingresso e permanência do aluno na escola com aproveitamento acadêmico, e isso só ocorrerá a partir da atenção às suas peculiaridades de aprendizagem e desenvolvimento.

Ainscow (2004) sugere que a inclusão escolar deve ser ancorada em três aspectos inter-relacionados, a saber: a) a presença do aluno na escola, substituindo o isolamento do ambiente privado familiar pela sua inserção num espaço público de socialização e aprendizagem; b) a sua participação efetiva em todas as atividades escolares, a qual não depende apenas de ‘estímulos’ de colegas e professores, mas do oferecimento de condições de acessibilidade e adaptações curriculares que se façam necessárias; e c) a construção de conhecimentos, função primordial da escola, e meta a ser perseguida durante o processo de inclusão.

Mas para que tal processo se efetive é preciso que sejam identificadas as demandas que o aluno apresenta em sua interação no ambiente escolar, e proporcionar-lhe as condições necessárias para sua aprendizagem. A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p. 10) deixa claro esse aspecto quando afirma que “todas as crianças [...] têm direito fundamental à educação e que a elas deve ser dada a oportunidade de obter e manter um nível aceitável de conhecimentos”. No caso dos alunos com deficiência, a presença de suportes pedagógicos especializados no ensino comum tem se mostrado uma experiência favorável, senão fundamental, para que a inclusão se efetue.

Neste contexto, a Educação Especial encontra-se em processo de re-significação de seu papel, para abranger, além do atendimento especializado direto, o apoio às escolas regulares que recebem alunos que necessitam de propostas diferenciadas para a aprendizagem. Não, como lembram Glat e Fernandes (2005), visando importar métodos e técnicas especializadas para a classe comum, mas sim, constituindo-se em um sistema de suporte permanente e efetivo à escola, para que esta possa promover a aprendizagem dos alunos com deficiências ou outras características peculiares de desenvolvimento. Em outras palavras, a Educação Especial não deve ser mais concebida como um sistema educacional especializado à parte, mas sim como um conjunto de metodologias, recursos e conhecimentos (materiais, pedagógicos e humanos) que a escola comum deverá dispor para atender à diversidade de seu alunado.

Esta forma de atuação da Educação Especial não é contraditória aos princípios da Educação Inclusiva; ao contrário, numa escola aberta à diversidade as duas propostas se complementam. A Educação Especial constitui-se como um arcabouço consistente de saberes teóricos e práticos, estratégias, metodologias e recursos que são imprescindíveis para a promoção do processo ensino-aprendizagem de alunos com deficiências e outros comprometimentos, matriculados no ensino regular. Como vem sendo apontado por inúmeros autores, sem tal suporte dificilmente esses alunos alcançarão sucesso acadêmico (BUENO, 2001; GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA e SENNA, 2003; MITTLER, 2003; MENDES, 2006; GLAT e PLETSCH, 2004; GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA e SENNA, 2003; GLAT e BLANCO, 2007). Pode-se considerar, portanto, que o paradigma que hoje conhecemos por Educação Inclusiva não representa necessariamente uma ruptura, mas o “desenvolvimento de um processo de transformação das concepções teóricas e das práticas da Educação Especial, que vêm historicamente acompanhando os movimentos sociais e políticos em prol dos direitos das pessoas com deficiências e das minorias excluídas, em geral” (GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA e SENNA, 2003, p. 21-22).

Partindo desta perspectiva, apresentaremos a seguir, uma breve trajetória histórica da Educação Especial no Brasil, considerando os paradigmas vigentes, bem como a política educacional da época. Porém, conforme Glat e Fernandes (2005) alertam, essa visão linear não significa que um modelo se esgote com a introdução de outro; na prática, todas essas alternativas co-existem, em diferentes configurações, nas redes educacionais de nosso país.

A Educação Especial se constituiu originalmente a partir de um modelo médico ou clínico. Embora esta abordagem seja hoje bastante criticada, é preciso resgatar que os médicos foram os primeiros a despertar para a necessidade de escolarização de indivíduos com deficiência que se encontravam misturados na população dos hospitais psiquiátricos, sem distinção de patologia ou de idade, principalmente no caso da deficiência mental. Sob esse enfoque o olhar médico tinha precedência: a deficiência era entendida como uma doença crônica e todo o atendimento prestado a essa clientela, mesmo quando envolvia a área educacional, era considerado pelo viés terapêutico. A avaliação e identificação eram pautadas em exames médicos e psicológicos com ênfase nos testes projetivos e de inteligência, e rígida classificação etiológica (GLAT e FERNANDES, 2005)

Na maioria das instituições especializadas o trabalho era organizado com base em um conjunto de terapias individuais coordenadas pela Medicina: Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia, Psicopedagogia, Terapia Ocupacional, entre outras. Pouca ênfase era dada à atividade acadêmica, que não ocupava mais do que uma pequena fração do horário dos alunos. A educação escolar não era considerada prioritária, ou mesmo possível, principalmente para aqueles com deficiências cognitivas, múltiplas, ou distúrbios emocionais severos. O trabalho educacional era voltado para a autonomia nas atividades de vida diária (AVD) e relegado a um interminável processo de ‘prontidão para a alfabetização’, sem maiores perspectivas, já que não havia expectativas de que esses indivíduos ingressassem na cultura letrada formal (GLAT e FERNANDES, 2005; GLAT e BLANCO, 2007).

No Brasil, os anos 1970 representaram a institucionalização da Educação Especial, com a preocupação do sistema educacional público em garantir o acesso à escola aos alunos com deficiências. Em 1973 foi criado, no Ministério da Educação, o CENESP — Centro Nacional de Educação Especial (transformado em 1986 na Secretaria de Educação Especial – SEESP), que introduziu a Educação Especial no planejamento das políticas públicas educacionais. Por iniciativa do CENESP, foram implantados subsistemas de Educação Especial nas diversas redes públicas de ensino através da criação de escolas e classes especiais. Também sob os auspícios desse órgão foram implementados projetos de formação de recursos humanos especializados em todos os níveis, inclusive com o envio de docentes para cursos de pós-graduação no exterior (FERREIRA e GLAT, 2003), o que permitiu o desenvolvimento acadêmico e científico da área.

Novas metodologias e técnicas de ensino trouxeram a possibilidade de aprendizagem e adaptação escolar desses sujeitos, até então alijados da escolarização formal. “O deficiente pode aprender”, tornou-se a palavra de ordem, resultando numa mudança de paradigma do modelo médico, predominante até então, para o modelo educacional. A ênfase não era mais na deficiência intrínseca do indivíduo, mas sim nas condições do meio em proporcionar recursos adequados que promovessem o desenvolvimento e a aprendizagem (GLAT, 1995).

Todavia, apesar dos avanços, a Educação Especial manteve-se funcionando como um serviço especializado paralelo: com currículos, metodologias, pessoal, e organização própria. As classes especiais serviam mais como espaços de segregação para aqueles que não se enquadravam nas normas do ensino regular, do que uma possibilidade de ingresso de alunos com deficiências nas classes comuns. Em conseqüência, muitos ainda continuam freqüentando instituições especializadas ou não tem acesso à escola (BUENO, 1993; 2001; MAZZOTTA, 2001; FERREIRA e GLAT, 2003; GLAT e FERNANDES, 2005; GLAT e BLANCO, 2007).

Recursos e métodos de ensino mais eficazes proporcionaram às pessoas com deficiências maiores condições de adaptação social, auxiliando a superar, pelo menos em parte, as dificuldades cotidianas. Acompanhando a tendência mundial da luta contra a marginalização das minorias excluídas, começou-se a divulgar e a consolidar em nosso país, os princípios que nortearam a filosofia da Normalização. Esta concepção de Educação Especial partia da premissa básica de que pessoas com deficiências têm o direito de usufruir as condições de vida o mais comuns ou normais possíveis na sua comunidade, participando das mesmas atividades sociais, educacionais e de lazer que os demais (GLAT, 1995; GLAT e FERNANDES, 2005). É importante ressaltar que a proposta não era, como erroneamente criticada, ‘normalizar o deficiente’, mas sim normalizar as suas condições de vida, fazendo os recursos e serviços a eles destinados o mais próximo possível daqueles utilizados pelos demais indivíduos de seu grupo social (GLAT e BLANCO, 2007).

O ‘deficiente pode se integrar na sociedade’ tornou-se, assim, a matriz política, filosófica e científica da Educação Especial. Este novo pensar sobre o espaço social das pessoas com deficiências tomou força em nosso país com o processo de redemocratização, e resultou em um redirecionamento significativo das políticas públicas, dos objetivos e da qualidade dos serviços de atendimento a esta população, marcando o desenvolvimento da área até nossos dias. Neste contexto surgiu o paradigma educacional denominado de Integração, o qual se propunha a oferecer aos alunos com deficiências o ambiente escolar menos restritivo possível. Este visava preparar alunos das classes e escolas especiais para ingressarem em classes regulares, quando receberiam, na medida de suas necessidades, atendimento paralelo em salas de recursos ou outras modalidades especializadas.

Contudo, com o passar do tempo, este modelo foi amplamente criticado, por exigir uma ‘preparação’ prévia dos alunos com deficiências para a sua integração no ensino regular. A Integração mantinha, assim, o problema centrado no aluno, ‘desresponsabilizando’ a escola, a qual caberia apenas ensinar àqueles que tivessem condições de acompanhar as atividades regulares, concebidas sem qualquer preocupação com as especificidades dos que apresentavam necessidades especiais. Conseqüentemente, a maior parte desses educandos manteve-se matriculada em escolas ou classes especiais, por não apresentar condições de ingresso nas turmas regulares. (BUENO, 2001; FERREIRA e GLAT, 2003; GLAT e FERNANDES, 2005; GLAT e BLANCO, 2007).

No bojo dessa discussão, as estratégias e práticas tradicionais da Educação Especial começaram a ser questionadas, desencadeando a busca por alternativas pedagógicas menos segregadas, oficializadas nas políticas públicas nacionais e internacionais. Culminando, na década de 1990, com a proposta da Educação Inclusiva.

É importante frisar que apesar de Educação Inclusiva ser o discurso dominante nas diretrizes educacionais atuais, a inserção de alunos com deficiências ou outros comprometimentos no cotidiano das escolas brasileiras tem ocorrido (às vezes concomitantemente) sob os dois modelos educacionais discutidos: a Integração e Inclusão Escolar. No primeiro caso os alunos com deficiências (geralmente oriundos do ensino especial) são matriculados nas classes comuns, na medida em que demonstrem condições para acompanhar a turma, recebendo apoio especializado paralelo. No segundo caso, esses alunos, independente do tipo ou grau de comprometimento, são incluídos diretamente no ensino regular, cabendo à escola desenvolver mecanismos para atender às suas necessidades de aprendizagem no próprio contexto da classe comum.

Pesquisas na área têm demonstrado que na maioria dos estados e municípios brasileiros, a inserção de alunos com deficiências no ensino regular têm ocorrido de forma pontual e descontínua, em muitos casos seguindo, na prática, os preceitos da Integração (GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA e SENNA, 2003; PLETSCH, 2005; GLAT, PLETSCH e FONTES, 2006). Observa-se, portanto, que embora as escolas privilegiem um discurso de aceitação à diversidade, no dia-a-dia não atendem às especificidades do processo ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais, que continuam sendo responsabilidade dos serviços de apoio especializado (GLAT e BLANCO, 2007).

Para Glat, Ferreira, Oliveira e Senna (2003, p. 60):

A maioria das experiências recolhidas indica que a experiência brasileira de inclusão é, de modo geral, iniciativa e competência da educação especial, a qual se encarrega do suporte e da coordenação de todas as ações concernentes ao aluno, incluindo-se o seu encaminhamento para classe regular, o planejamento da prática pedagógica, o apoio aos professores do ensino regular e a conscientização da comunidade escolar.

O estabelecimento da Educação Inclusiva como política educacional, implica, como já discutido, em uma reorganização da estrutura e cultura da escola para oferecer um ensino de qualidade para todos os educandos, inclusive para aqueles que apresentem necessidades educacionais especiais. Isto se refere tanto aos alunos com deficiências ou outras condições peculiares de desenvolvimento — até então atendidos exclusivamente pela Educação Especial — quanto para todos aqueles que, por alguma razão, para aprender o que é esperado para o seu grupo referência, precisam de diferentes formas de interação pedagógica e/ou suportes adicionais (recursos, metodologias e currículos adaptados), bem como tempos diferenciados, durante todo ou parte do seu percurso escolar (CORREIA, 1999; PLETSCH e FONTES, 2006; GLAT e BLANCO, 2007).

Outro aspecto que merece ser abordado é o conceito de necessidades educacionais especiais, que vem sendo erroneamente utilizado como sinônimo de deficiência. O conceito de deficiência se reporta às condições orgânicas do indivíduo, que podem resultar em uma necessidade educacional especial, porém não obrigatoriamente. O conceito de necessidade educacional especial, por sua vez, está intimamente relacionado à interação do aluno com os conteúdos e a proposta educativa com a qual ele se depara no cotidiano escolar.

Como apontam Glat e Blanco (2007), necessidade educacional especial não é uma característica intrínseca do aluno, nem muito menos uma condição sintomática típica de um determinado grupo etiológico, supostamente homogêneo. É uma condição individual e específica, um produto da interação do aluno com o contexto escolar em que a aprendizagem deverá se dar. Assim, dois alunos com o mesmo tipo e grau de deficiência podem requisitar diferentes adaptações de recursos didáticos e metodológicos. Da mesma forma, um aluno que não tenha qualquer deficiência, pode, sob determinadas circunstâncias, apresentar dificuldades para aprendizagem escolar formal que demandem apoio especializado.

Certamente, existem condições orgânicas que tornam o sujeito mais propenso a encontrar dificuldades para aprender. Entretanto, a proposta da Educação Inclusiva se baseia justamente no pressuposto de que se a escola oferecer um currículo flexível e vinculado aos interesses individuais e sociais dos alunos, garantir acessibilidade de locomoção e comunicação em suas dependências, e desenvolver metodologias e práticas pedagógicas que atendam às demandas individuais, todos terão condições de aprender e se desenvolver juntos.

Destacam Glat e Blanco (2007, p. 6, grifo nosso):

Essa mudança de olhar é decisiva, pois ao considerar que as necessidades educacionais especiais encontram-se na relação entre o processo ensino-aprendizagem do aluno e a proposta curricular desviamos o foco de atenção, anteriormente centrado nas dificuldades do aluno, direcionando-o para as respostas educacionais que a escola precisa lhe proporciona.

Necessidades educacionais especiais, portanto, são construídas socialmente, no ambiente de aprendizagem, não sendo, conseqüências inevitáveis da deficiência ou do quadro orgânico apresentado pelo indivíduo. São condições de natureza interativa e relativa (p. 12):

O caráter interativo surge na relação do sujeito com uma nova aprendizagem. A necessidade educacional especial se manifesta na ação individual e subjetiva de conhecer / aprender um novo ‘conteúdo’ social. O caráter relativo, por sua vez, resulta das condições em que as aprendizagens são efetivadas.

Entre essas condições escolares que garantem o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiências ou outros comprometimentos, destacam-se os suportes especializados.

Embora a legislação brasileira - na Educação, como em outras áreas - possa ser considerada bastante avançada para padrões internacionais, a promulgação de leis e diretrizes políticas ou pedagógicas não garante, necessariamente, as condições para o seu devido cumprimento. A implementação de um sistema de Educação Inclusiva não é tarefa simples; para oferecer um ensino de qualidade a todos os educandos, inclusive para os que têm alguma deficiência ou problema que afete a aprendizagem, a escola precisa reorganizar sua estrutura de funcionamento, metodologia e recursos pedagógicos, e principalmente, conscientizar e garantir que seus profissionais estejam preparados para essa nova realidade. No entanto, conforme Rodrigues (2006) enfatiza, esses aspectos não podem ser hipervalorizados em detrimento de análises político-estruturais mais amplas sobre os investimentos financeiros necessários para tornar as escolas verdadeiramente inclusivas.

Tem sido freqüentemente apontado, também, como uma das principais barreiras para a transformação da política de Educação Inclusiva em práticas pedagógicas efetivas a precariedade da formação dos professores e demais agentes educacionais para lidar com alunos com significativos problemas cognitivos, psicomotores, emocionais e/ou sensoriais, na complexidade de uma turma regular (BUENO, 1999; 2001; GLAT e NOGUEIRA, 2002; GLAT e PLETSCH, 2004; SOUZA, 2005; GLAT e BLANCO, 2007).

Para Glat e Pletsch (2004) este aspecto afeta tanto os professores do ensino comum, quanto os da Educação Especial que lhes deveriam dar o suporte. No primeiro caso, verifica-se que os mesmos não têm experiência com esse tipo de educando, e mal dão conta, em suas classes lotadas, de um número grande de alunos que, embora não tenham deficiências específicas, apresentam inúmeros problemas de aprendizagem e/ou de comportamento. Os professores especializados, por sua vez, vêm construindo sua competência com base no conhecimento das dificuldades específicas do alunado que atendem, dando ênfase à diminuição ou compensação dos efeitos de suas deficiências.

Conforme bem apontado por Bueno (1993, 2001), a prática pedagógica inclusiva requer a formação de dois tipos de professores: a) os generalistas, regentes das classes regulares que teriam algum conhecimento e prática sobre a diversidade do alunado; b) os professores especialistas, capacitados para atuação com diferentes necessidades educacionais especiais. Estes seriam responsáveis pelo suporte, orientação e formação continuada dos professores do ensino regular visando à inclusão, bem como por atender diretamente aos alunos em modalidades como classes especiais, salas de recurso, ensino itinerante, de acordo com o prescrito no artigo 59 da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996):

Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: [...] III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

Assim, numa escola inclusiva o trabalho do professor regular e a atuação do professor especializado se complementam de maneira colaborativa. Para tal, é preciso que a formação pedagógica deste último tenha uma dimensão de docência ampla, aliada a aprofundamentos específicos que permitiriam o atendimento e suporte especializado.

De acordo com Glat e Nogueira (2002) a dicotomia hoje existente entre ensino ‘especial’ e ‘regular’ é um reflexo da formação clássica do professor que privilegia uma concepção estática de desenvolvimento humano, com a conseqüente concepção de dois tipos distintos de processo ensino-aprendizagem: o ‘normal’ e o ‘especial’. No ensino ‘normal’ (ou regular) o professor estaria frente aos alunos que seguem o padrão de aprendizagem para o qual ele foi preparado durante sua formação; já no ‘especial’ estariam os alunos que apresentam os denominados ‘distúrbios ou dificuldades de aprendizagem’ e/ou aqueles com deficiências ou demais necessidades educacionais especiais, que constituíam (até então) o alunado da Educação Especial.

Como, em curto prazo, essa situação não se modificará, reafirmamos a importância do suporte do professor especializado na escola comum. Este aspecto é extremamente relevante, pois no entusiasmo da adesão à política de Educação Inclusiva, têm se observado em muitas redes escolares um enfraquecimento ou mesmo descontinuidade dos serviços educacionais especializados, com resultados nem sempre satisfatórios no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais. Portanto, é preciso muita cautela na implementação de uma transformação radical e imediata do sistema educacional, antes de um acúmulo de experiências sistemáticas que permitam uma análise crítica do processo no contexto macro das políticas educacionais e, sobretudo, no contexto micro do cotidiano escolar (BUENO, 2006; PLETSCH e FONTES, 2006; FERREIRA, 2006; GLAT e BLANCO; 2007). A Educação Inclusiva tem que ser vista como um processo progressivo, dinâmico e contínuo, que pressupõe a adaptação do sistema escolar e de cada instituição, acompanhada de uma mudança da cultura escolar para aceitar a diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem entre seu alunado.

Defendemos, também, que a opção da inclusão em classe comum deve ser feita com base na modalidade que, no momento, melhor proporcione ganhos ao sujeito com necessidades especiais. Levando em consideração a realidade educacional brasileira atual - número grande de alunos por turma, professores sem formação adequada, poucos recursos de acessibilidade, entre outros aspectos já apontados -, a classe comum nem sempre é a melhor alternativa para todos os alunos, sobretudo para os que apresentam comprometimentos graves (LIBERMAN, 2003; GLAT e BLANCO, 2007).

Em outras palavras, nossa perspectiva de Educação Inclusiva, não se contrapõe à existência dos serviços especializados, nem mesmo das escolas ou instituições especiais, ditas segregadas. O que se pressupõe é a incorporação desses serviços sob uma nova concepção de trabalho colaborativo (CAPELLINI, 2004; MENDES, 2006; GLAT e BLANCO, 2007).

Ou seja, ao invés de defender, como vem sendo feito em alguns meios, o fechamento das escolas especializadas, estamos propondo que as mesmas revejam o seu papel fortalecendo-se como centros de referência para formação de recursos humanos, pesquisas, produção de material adaptado, entre outras ações em prol do aprimoramento de estratégias de Educação Inclusiva.

Considerações finais

Finalizando, lembramos que a proposta de inclusão não pode ser pensada de maneira desarticulada da luta pela melhoria e transformação da Educação como um todo, nem tampouco isolada do debate mais abrangente sobre as pressões econômicas, políticas, sociais e culturais que configuram a realidade brasileira contemporânea. Pois, incluir alunos com necessidades educacionais especiais num quadro escolar precário e sem o devido suporte especializado aos professores do ensino regular, não romperá por si só o circuito da exclusão.


Referências

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Correspondência

Rosana Glat - Jardim Botânico 356/503 - Jardim Botânico, 22461-000 - Rio de Janeiro/RJ.
E-mail: rglat@terra.com.br

Recebido em 15 de maio de 2007
Aprovado em 26 de julho de 2007

Fonte - http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2007/02/a5.htm

1 comentários:

Unknown disse...

parabens

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