História - Uma inclinação pessimista


História: uma inclinação pessimista
Somente após o colapso geral do poder europeu em 1918 que se cogitou de uma outra visão da história universalista. E, novamente, ela deu-se por intermédio de um pensador e não de um historiador profissional: Oswald Spengler. O seu livro A decadência do Ocidente, publicado em 1918, estava longe do otimismo dos tempos iluministas e do positivismo do século XIX. O mundo spengleriano era um mundo sombrio. Tratava-se a obra da descrição inevitável da débcle das culturas que, tal como as plantas, tinham seu período de crescimento, esplendor, decadência e morte. Para ele havia chegado a vez da cultura ocidental, ferida de morte. O livro de Spengler foi acolhido como um retrato depressivo da intelectualidade alemã, atormentada pela guerra e pelo desespero da derrota, um choro dos vencidos.
Apesar disso, foi nele que o historiador inglês Arnold Toynbee inspirou-se ao publicar, a partir de 1934, o seu monumental A Study of History (O Estudo da História), no qual identificou 21 civilizações na história da humanidade. Toynbee construiu um majestoso cenário onde as civilizações, como se fossem os seres biológicos de Darwin, emergiam ou desapareciam conforme a dinâmica que imprimiam ao desafio-resposta a que eram submetidas pela natureza e por outras civilizações rivais.
A importância de Toynbee
O.Spengler e A. Toynbee, historiadores da decadência
Ao contrário de Spengler, Toynbee não viu o Ocidente desandando. O Estudo de história pode ser considerado o último grande esforço, no século XX, feito por um historiador profissional para escrever sozinho uma história universal. Afirmou ele que foi levado a enfrentar aquela colossal tarefa como um repúdio pessoal dele à história que estava escrita naqueles tempos, dominada pela "industrialização do pensamento", isto é, aquela escrita por especialistas, que "chegou tão longe que produziu exageros patológicos do espírito industrial", e também pelos extremismos da ideologia nacionalista (definido por Toynbee como o "fermento azedo dos velhos odres do tribalismo").
Interessa porém observar que a visão cíclica da história, obcecada pela decadência, renascida na obra de Spengler e também na de Toynbee, coincide com a sensação de declínio dos impérios que ambos historiadores eram súditos; Spengler do IIº Reich Alemão e Toynbee do Império Britânico. Alguns anos antes, em 1929, na França, tinha-se iniciado uma outra grande transformação na historiografia moderna, exatamente no sentido contrário ao de Toynbee. Dois jovens intelectuais, Lucien Fébvre e Marc Bloch, cansados da tirania do predomínio da histórica política de viés positivista, resolveram rebelar-se. (*)
(*) É significativo que a posição hostil à história política tenha surgido entre os franceses justamente quando pressentiram o esgotamento do seu país, exaurido material e humanamente pela guerra de 1914-18. Ao perceberem que a França pouco poderia dispor da sua influência nas coisas da política mundial, instintivamente e inteligentemente eles passaram a desprezar a importância da história política.
O surgimento dos Annales
M.Bloch e M. Foucault, renovadores da historiografia
Publicaram então, Fébvre e Bloch, uma revista batizada de Annales d'histoire économique et sociale, ou simplesmente Les Annales, ambicionando pôr abaixo os três grandes ídolos da historiografia da época: a biografia, a política e a cronologia. Advogavam igualmente a aproximação da história com outros saberes, como a geografia, a sociologia, a economia, etc... canalizando sua atenção não mais para os acontecimentos espetaculares, como revoluções e guerras, mas para as mentalidades e para as transformações silenciosas, "os jogos subterrneos de longa duração". De certa forma, atendiam assim às queixas que J.J.Roussau já havia feito, século e meio antes, no Emílio, quando criticava a história por apenas mostrar as ações dos homens "com suas vestimentas de gala" e que "ela só apresenta o homem público que se arranjou para ser visto: não o acompanha em sua casa, em seu gabinete, na sua família, entre seus amigos; só o pinta quando ele representa..."
Recentemente, isto é, desde o aparecimento, em 1961, da História da loucura na Idade Clássica, de Michel Foucault, e com a crescente democratização das sociedades, desbravaram-se novos terrenos até então considerados pouco nobres, como a história das festas, da feitiçaria, da morte, da infância, da família, da sexualidade, etc... Os reis, os príncipes, os varões de Plutarco, os heróis de Carlyle, os estadistas, perante esta maré democrática, desceram dos pedestais. A história passou a contemplar o homem comum, seus hábitos, suas habitações e moradas, suas diversões, os seus afazeres cotidianos. Resvalou, no entanto, para o exagero. Passou-se à busca pedante do insignificante, à pesquisa excessiva do trivial, das bagatelas, ou, como disse François Dosse, de uma história em migalhas. Perdeu-se a dimensão do que é singular, inaudito, merecedor da atenção histórica. Praticou-se uma desbragada demagogia na qual a vida de um oleiro, de um alquimista ou de uma cortesã, passou a ter quase a mesma significação e importância de uma revolução política.
A popularidade da história
Por outro lado, nunca se leu tanto sobre história. Revistas de divulgação como as francesas Histoire e Le Miroir de l'Histoire, vendem de 120 a 220 mil exemplares cada tiragem. Vários historiadores, como Georges Duby, Paul Veyne, Paul Kennedy, Eric Hobsbawn, Christopher Hill, Carlo Ginsburg, ou o impressionante Fernand Braudel, viram seus livros tornarem-se best-sellers. Philippe Ariès interpreta isso como a insatisfação do homem contemporâneo com a modernidade, com a perda da fé no progresso. Outros entendem o fenômeno da inclinação da história atual pelas banalidades como uma concessão à mídia.
Com o eclipse dos grandes sistemas nestes últimos decênios, principalmente do marxismo, controvertido herdeiro do iluminismo e do hegelianismo, e a ressaca ideológica que se seguiu - somado à crescente fragmentação provocada pela especialização - extraviou-se a noção de totalidade. As histórias universais hoje oferecidas são uma erudita mas desconexa confederação de peritos. Estamos condenados momentaneamente à mediocridade da micro-história, à enxurradas de páginas sobre temas por vezes exóticos, porém historicamente desimportantes. Kant tinha esperanças, em suas proposições, de que fosse possível surgir algum dia um Kepler ou um Newton da historiografia. Um gigante intelectual que conseguisse um dia desvendar o plano oculto da natureza e, fazendo uma extraordinária panorâmica, narrasse para nós a magnífica história conjunta dos povos, expectativa esta que devemos, seguramente, transferir para um outro século ainda por vir.


Fonte :
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2003/02/22/002.htm

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