Polêmica do livro recomendado pelo Mec


Fonte : http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2011/05/12/livro-usado-pelo-mec-ensina-aluno-a-falar-errado/


Livro didático de língua portuguesa adotado pelo MEC (Ministério da Educação) ensina aluno do ensino fundamental a usar a “norma popular da língua portuguesa”.
O volume Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância. Os autores usam a frase “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” para exemplificar que, na variedade popular, só “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Em um outro exemplo, os autores mostram que não há nenhum problema em se falar “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”.
Ao defender o uso da língua popular, os autores afirmam que as regras da norma culta não levam em consideração a chamada língua viva. E destacam em um dos trechos do livro: “Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para norma culta como padrão de correção de todas as formas lingüísticas”.
E mais: segundo os autores, o estudante pode correr o risco “de ser vítima de preconceito linguístico” caso não use a norma culta. O livro da editora Global foi aprovado pelo MEC por meio do Programa Nacional do Livro Didático.
Atualizado às 16h20: Em entrevista ao iG, uma das autoras do livro, a professora Heloísa Ramos,declarou que a intenção era deixar aluno à vontade por conhecer apenas a linguagem popular e não ensinar errado.
Não há motivo para censurar a obra", diz ministro da Educação
Haddad será convidado a comparecer a audiência pública no Senado para debater o livro com frases que contrariam a norma culta

O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou nesta terça-feira que não há motivos para censurar a obra “Por uma Vida Melhor”, da Coleção Viver, voltada para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O iG revelou na semana passada que em um capítulo o livro admite erros de concordância como “nós pega o peixe” na linguagem oral. Em outro trecho, os autores afirmam que os estudantes podem falar “os livro”.

Segundo o ministro, a educação tem que fortalecer os vínculos com a norma culta, para que o estudante possa fazer o melhor uso da linguagem para se comunicar, em diferentes situações.Haddad disse em entrevista à rádio CBN que os exercícios propostos pelo livro em questão partem da forma como os alunos falam para ensinar a usar a norma culta. “Estamos envoltos em uma falsa polêmica. Ninguém está propondo ensinar o errado”, defendeu.
Haddad destacou que o processo de escolha dos livros didáticos é feito por educadores e não tem “ingerência governamental”. As obras enviadas ao Ministério da Educação (MEC) são entregues paracomissões avaliadoras, formadas por professores de universidades federais. Após a aprovação, os livros são apresentados em um guia às escolas que escolhem o material didático.
Heloisa Ramos, uma das autoras de “Por uma Vida Melhor”, afirmou em entrevista ao iG que a proposta da obra é que se aceite dentro da sala de aula todo tipo de linguagem, em vez de reprimir aqueles que usam a linguagem popular.
“Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade. Só que esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter currículo que ensine de forma gradual”, disse.

Audiência no Senado

Na próxima semana, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado vai promover um debate sobre a politização de livros didáticos e a presença em livro de português de exemplos de frases que contrariam a norma culta. Haddad será convidado a comparecer à comissão, conforme anunciou nesta terça-feira (17) o presidente da comissão, senador Roberto Requião (PMDB-PR).
Nesta terça, uma audiência pública discutiu "críticas ao governo de Fernando Henrique Cardoso e elogios ao governo de Luíz Inácio Lula da Silva" nos livros didáticos aprovados pelo MEC, e o tema do uso da língua será incluído no próximo debate. O ministro não compareceu e não apresentou justificativa pela ausência. Durante a audiência desta terça, foi ouvido apenas o presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros Didáticos (Abrelivros), Jorge Yunes.
Fonte : http://tinyurl.com/678es9u
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Uma defesa do "erro" de português

O pessoal pegaram pesado. Da esquerda à direita, passando por vários amigos meus, a imprensa foi unânime em atacar o livro didático "Por uma Vida Melhor", de Heloísa Ramos. O suposto pecado da obra, que é distribuída pelo Programa do Livro Didático, do Ministério da Educação, é afirmar que construções do tipo "nós pega o peixe" ou "os livro ilustrado mais interessante estão emprestado" não constituem exatamente erros, sendo mais bem descritas como "inadequadas" em determinados "contextos".
Os mais espevitados já viram aí um plano maligno do governo do PT para pespegar a anarquia linguística e destruir a educação, pondo todas as crianças do Brasil para falar igualzinho ao Lula. Outros, mais comedidos, apontaram a temeridade pedagógica de dizer a um aluno que ignorar a concordância não constitui erro.
Eu mesmo faria coro aos moderados, não fosse o fato de que, do ponto de vista da linguística --e não o da pedagogia ou da gramática normativa--, a posição da professora Heloísa Ramos é corretíssima, ainda que a autora possa ter sido inábil ao expô-la.
Acredito mesmo que, excluídos os ataques politicamente motivados, tudo não passa de um grande mal-entendido. Para tentar compreender melhor o que está por trás dessa confusão, é importante ressaltar a diferença entre a perspectiva da linguística, ciência que tem por objeto a linguagem humana em seus múltiplos aspectos, e a da gramática normativa, que arrola as regras estilísticas abonadas por um determinado grupo de usuários do idioma numa determinada época (as elites brancas de olhos azuis, se é lícito utilizar a imagem consagrada pelo ex-governador de São Paulo Claúdio Lembo). Podemos dizer que a segunda está para a primeira assim como a pesquisa da etiqueta da corte bizantina está para o estudo da História. Daí não decorre, é claro, que devamos deixar de examinar a etiqueta ou ignorar suas prescrições, em especial se frequentarmos a corte do "basileus", mas é importante ter em mente que a diferença de escopo impõe duas lógicas muito diferentes.
Se, na visão da gramática normativa, deixar de fazer uma flexão plural ou apor uma vírgula entre o sujeito e o predicado constituem crimes inafiançáveis, na perspectiva da linguística nada disso faz muito sentido. Mas prossigamos com um pouco mais de vagar. Se os linguistas não lidam com concordâncias e ortografia o que eles fazem? Seria temerário responder por todo um ramo do saber que ainda por cima se divide em várias escolas rivais. Mas, assumindo o ônus de favorecer uma dessas correntes, eu diria que a linguística está preocupada em apontar os princípios gramaticais comuns a todos os idiomas. Essa ideia não é exatamente nova. Ela existe pelo menos desde Roger Bacon (c. 1214 - 1294), o "pai" do empirismo e "avô" do método científico, mas foi modernamente desenvolvida e popularizada pelo linguista norte-americano Noam Chomsky (1928 -).
Há de fato boas evidências em favor da tese. A mais forte delas é o fato de que a linguagem é um universal humano. Não há povo sobre a terra que não tenha desenvolvido uma, diferentemente da escrita, que foi "criada" de forma independente não mais do que meia dúzia de vezes em toda a história da humanidade. Também diferentemente da escrita, que precisa ser ensinada, basta colocar uma criança em contato com um idioma para que ela o adquira quase sozinha. Mais até, o fenômeno das línguas crioulas mostra que pessoas expostas a pídgins (jargões comerciais normalmente falados em portos e que misturam vários idiomas) acabam desenvolvendo, no espaço de uma geração, uma gramática completa para essa nova linguagem. Outra prova curiosa é a constatação de que bebês surdos-mudos "balbuciam" com as mãos exatamente como o fazem com a voz as crianças falantes.
O principal argumento lógico usado por Chomsky em favor do inatismo linguístico é o chamado Pots, sigla inglesa para "pobreza do estímulo" ("poverty of the stimulus"). Em grandes linhas, ele reza que as línguas naturais apresentam padrões que não poderiam ser aprendidos apenas por exemplos positivos, isto é, pelas sentenças "corretas" às quais as crianças são expostas. Para adquirir o domínio sobre o idioma elas teriam também de ser apresentadas a contraexemplos, ou seja, a frases sem sentido gramatical, o que raramente ocorre. Como é fato que os pequeninos desenvolvem a fala praticamente sozinhos, Chomsky conclui que já nascem com uma capacidade inata para o aprendizado linguístico. É a tal da Gramática Universal.
O cientista cognitivo Steven Pinker, ele próprio um ferrenho defensor do inatismo, extrai algumas consequências interessantes da teoria. Para começar, ele afirma que o instinto da linguagem é uma capacidade única dos seres humanos. Todas as tentativas de colocar outros animais, em especial os grandes primatas, para "falar" seja através de sinais ou de teclados de computador fracassaram. Os bichos não desenvolveram competência para, a partir de um número limitado de regras, gerar uma quantidade em princípio infinita de sentenças. Para Pinker, a linguagem (definida nos termos acima) é uma resposta única da evolução para o problema específico da comunicação entre caçadores-coletores humanos.
Outro ponto importante e que é o que nos interessa aqui diz respeito ao domínio da gramática. Se ela é inata e todos a possuímos como um item de fábrica, não faz muito sentido classificar como "pobre" a sintaxe alheia. Na verdade, aquilo que nos habituamos a chamar de gramática, isto é, as prescrições estilísticas que aprendemos na escola são o que há de menos essencial, para não dizer aborrecido, no complexo fenômeno da linguagem. Não me parece exagero afirmar que sua função é precipuamente social, isto é, distinguir dentre aqueles que dominam ou não um conjunto de normas mais ou menos arbitrárias que se convencionou chamar de culta. Nada contra o registro formal, do qual, aliás, tiro meu ganha-pão. Mas, sob esse prisma, não faz mesmo tanta diferença dizer "nós vai" ou "nós vamos". Se a linguagem é a resposta evolucionária à necessidade de comunicação entre humanos, o único critério possível para julgar entre o linguisticamente certo e o errado é a compreensão ou não da mensagem transmitida. Uma frase ambígua seria mais "errada" do que uma que ferisse as caprichosas regras de colocação pronominal, por exemplo.
Podemos ir ainda mais longe e, como o linguista Derek Bickerton (1925 -), postular que existem situações em que é a gramática normativa que está "errada". Isso ocorre quando as regras estilísticas contrariam as normas inatas que nos são acessíveis através das gramáticas das línguas crioulas. No final acabamos nos acostumando e seguimos os prescricionistas, mas penamos um pouco na hora de aprender. Estruturas em que as crianças "erram" com maior frequência (verbos irregulares, dupla negação etc.) são muito provavelmente pontos em que estilo e conexões neuronais estão em desacordo.
Mais ainda, elidir flexões, substituindo-as por outros marcadores, como artigos, posição na frase etc., é um fenômeno arquiconhecido da evolução linguística. Foi, aliás, através dele que os cidadãos romanos das províncias foram deixando de dizer as declinações do latim clássico, num processo que acabou resultando no português e em todas as demais línguas românicas.
A depender do zelo idiomático de meus colegas da imprensa, ainda estaríamos todos falando o mais castiço protoindo-europeu.
Não sei se algum professor da rede pública aproveita o livro de Heloísa Ramos para levar os alunos a refletir sobre a linguagem, mas me parece uma covardia privá-los dessa possibilidade apenas para preservar nossas arbitrárias categorias de certo e errado.
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman, 44 anos, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha.com.


Fonte do artigo :
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/916634-uma-defesa-do-erro-de-portugues.shtml
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LÍNGUA & LINGUAGEM
"Nós pega o peixe"
Por Muniz Sodré em 17/5/2011

A diferença entre fato social e acontecimento jornalístico (ou "notícia") pode ser muito relevante na observação da imprensa, em especial quando se busca a correta apreensão sensível do que está por trás das manchetes. É certo que a notícia – a mercadoria principal da atividade jornalística nos últimos dois séculos – vem sendo bastante modificada, em suas definições profissionais clássicas, pela diversificação dos interesses e dos públicos característicos da internet. Ainda assim, o horizonte cognitivo do jornalismo – melhor, do bom jornalismo – é o conhecimento do fato.
No fato, os acontecimentos estão simultaneamente relacionados, como se fossem um "estado de coisas", ou seja, uma conexão entre pessoas ou entre objetos. Assim, o que acontece no jornal (o relato de um caso ou "notícia") é tornado possível pela existência desses "estados", que se evidenciam à lógica do observador. Nesta linha de raciocínio, são os fatos que tornam as proposições verdadeiras ou falsas.
A informação jornalística parte de objetos primariamente tidos como factuais, para obter, por intermédio do caso-acontecimento-notícia, alguma clareza sobre o fato sócio-histórico. Não raro, notícias editorialmente diferentes pertencem ao mesmo campo cognitivo do fato social.
É o que se dá com duas notícias separadas no noticiário da semana passada. Pela primeira se fica sabendo que o Ministério da Educação distribuiu milhares de cartilhas às escolas com a recomendação de tolerância para os desvios de linguagem do tipo "os livro" ou "nós pega o peixe". Pela segunda, toma-se conhecimento de que o mesmo ministério estaria preparando outra cartilha para ensinar às crianças que é natural a relação homoafetiva.
Práticas heterogêneas
Por trás das duas notícias, aparentemente diversas, se encontra um mesmo fato histórico relativo à transformação de costumes e relações sociais. Para vários teóricos da educação – um deles é Istvan Mészaros, bastante conhecido pelos pedagogos brasileiros – a mudança dos dispositivos formais da educação deveria ser isomórfica com a transformação social. Diz Mészáros: "O que precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente é todo o sistema de internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas".
Em outras palavras, os jovens devem incorporar imediatamente todas as verdades consensuais do momento social. Por isso, seria imperativo "substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas da internalização mistificadora".
Por outro lado, o francês Étienne Balibar acrescenta um aspecto (geralmente pouco considerado nos debates educacionais) às reflexões de Mészaros. Refletindo sobre a importância contemporânea da escolarização e da família, ele vai além do argumento centrado no lugar funcional que elas assumem na reprodução da força de trabalho, sugerindo que a importância das duas instituições reside no fato de que "elas subordinam essa reprodução à constituição de uma etnicidade fictícia, isto é, à articulação de uma comunidade lingüística e de uma comunidade de raça implícita nas políticas da população".
Para se resumir essas duas manifestações em termos de fato social, pode-se dizer que há todo um horizonte de mudanças institucionais atinentes às supostas "verdades" – relativas às formas lingüísticas e às relações de gênero e de "raça" – inculcadas nas crianças pela pedagogia tradicional. Em sua diversidade, as citadas notícias jornalísticas reencontram-se, portanto, na unidade do fato sócio-histórico das mudanças.
Mas essa explicação não torna automaticamente pacífica a interpretação das notícias como decorrências "naturais" do fato. É verdade que há diferenças de classe social ao nível da utilização do idioma e que a normatização vernácula não deve servir de pretexto para a estigmatização da diversidade social, como ocorria no passado com o império beletrista dos bacharéis sobre as massas pouco alfabetizadas. Entretanto, é preciso determinar com cuidado a partir de que faixa etária é viável socializar os jovens com esse conhecimento da heterogeneidade das práticas de linguagem.
Refletir e discutir
O mesmo cuidado vale para as relações de gênero. É preciso não confundir a fase de socialização primária com a da individualização no processo educacional. A primeira lida com uma faixa etária ainda muito pouco madura (apesar dos alegados avanços da "revolução da informação") para a assimilação de toda a complexidade da formação sexual. É de formação mesmo que se trata, e isto deveria em princípio advir de uma mediação progressiva realizada pela família em conexão com um novo tipo de professor. A informação pura e simples da novidade incide menos conflituosamente sobre a fase da individualização, numa mentalidade já socializada.
Toda essa avalanche informativa sobre a infância corresponde ao que Jean Baudrillard, importante pensador da pós-modernidade, chamou de "obscenidade" no sentido radical da palavra, isto é, aquilo que se encena diante do olhar do outro, sem as devidas mediações.
Sob o ângulo de uma pedagogia responsável, é obscena toda essa exposição televisiva de lixo cultural reciclado ou de informações sobre o "novo" como se este, em si mesmo, representasse a modernidade. Não se trata de proibir, porque a censura tem implicações históricas inaceitáveis, e sim de ter clareza quanto ao caráter social daquilo que, sob as capas do fácil entretenimento, se comunica. A escola obriga-se a essa clareza.
Por isso, é no mínimo estranho que o Ministério da Educação, em meio à crise da escolarização, da formação docente (que é pífia) e da progressão do analfabetismo funcional (aquele em que o aluno lê, mas não compreende), se atire com toda essa pressa, midiaticamente, sobre novidades institucionais. O MEC é hoje muito mais uma plataforma político-eleitoral do que think-tank de políticas educacionais. Quando não esgrime tabelas ou estatísticas, o burocrata-pedagogo padece de cegueira conceitual e se mostra mais perdido do que cego em tiroteio, senão como um surfista desequilibrado na onda do que a mídia entroniza como novo. Pedagogicamente, vive a realidade do Jeca-Tatu, mas embalado ao som do cantador Xangai, que brinca: "Nós é jeca, mas é jóia..."
É o caso de se parar para refletir e discutir um pouco mais. Desse jeito, "nós pega o peixe", mas "nós paga o pato".
Fonte :
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=642JDB001


O ensino de português na berlinda
Por Deonísio da Silva em 17/5/2011

De Edmar Bacha (67 anos), ex-presidente do BNDES, um dos pais do Plano Real e criador da expressão "Belíndia" para designar a sociedade brasileira, grande economista que hoje curte a bucólica Fazenda do Pinhal, onde começou o município de São Carlos (SP), que tem um PhD para 250 habitantes, deixando Genebra em segundo lugar no mundo nesse quesito, citado na coluna de Ancelmo Gois (O Globo, 16/5):






"Agora que o MEC achou solução para nossa incapacidade de alfabetizar os brasileiros, ao apontar o errado como certo, tem gaiato sugerindo a Guido Mantega baixar uma MP para revogar a lei da oferta e da procura para baixar a inflação sem afetar o crescimento. Com todo o respeito..."Perguntinha básica para o MEC, mais uma vez centro dessa polêmica que revela o rebaixamento de seus quadros, em sua maioria ali chegados por indicação partidária, e não por mérito: se os alunos podem continuar a falar e a escrever "os livro", "nós vai" etc., o que é que eles e os professores estão fazendo na escola?
O Globo repercutiu a polêmica na segunda-feira (16/5) em primeira página, informando que 485.000 alunos receberam o livro que está no centro de mais um debate que revela coisas ainda mais sombrias, como a tiragem do volume. Isto é, com o dinheiro do contribuinte foram pagas comissões que escolheram mal uma bibliografia estratégica, como a de Língua Portuguesa, com a qual se ensinam todas as outras disciplinas, e levaram a questão ao Jornal Nacional e a toda a mídia.
Deveríamos todos ter sido alunos dessa professora, autora do livro Por uma vida melhor, que integra uma coleção chamada "Viver, Aprender", e foi adotado pelo Ministério da Educação? Ou temos que respeitar quem pensa diferentemente dela, ao lado de professores como Sérgio Nogueira, Cláudio Moreno e Evanildo Bechara, entre outros?
Sólida formação humanista
Contendo o espanto, e talvez a desesperança do alto de seus 83 anos, Bechara, autor de dicionário e gramática, nomeado autoridade suprema do Acordo Ortográfico pela Academia Brasileira de Letras, que ainda apresenta programas de Língua Portuguesa em rádios e escreve colunas em jornais, disse:






"O aluno não vai para a escola para aprender ‘nós pega o peixe’. Isso ele já diz de casa, já é aquilo que nós chamamos de língua familiar, a língua do contexto doméstico. O grande problema é uma confusão que se faz, e que o livro também faz, entre a tarefa de um cientista, de um linguista e a tarefa de um professor de português."E acrescentou:






"No meu tempo de aluno, nós tínhamos apenas dois livros: durante quatro, cinco anos, tínhamos a mesma antologia e a mesma gramática. Mas, embora os professores não tivessem tirado o proveito das universidades, eles levavam para a escola uma cultura geral muito boa. E era essa cultura geral do professor de matemática, de física, de química, de português, o grande atrativo para o aluno. Mas o professor que se limita ao programa estabelecido pelo livro didático é um professor que é conduzido, é um professor que não tem conhecimento suficiente para sair dos trilhos oferecidos pelo livro didático."A polêmica, e principalmente as intervenções do professor Bechara, fizeram brotar neste colunista um pedaço de memorial, que já deu as caras em meu romance Teresa D’Ávila, cuja primeira parte se passa num seminário, onde o estudo era levado muito, mas muito a sério, como na maioria das escolas de então, principalmente as públicas.
Depois de sucessivas reformas, o ensino fundamental e médio apresenta um quadro complicado. Onde foi que erramos tanto e como é possível consertar o estrago? Avanços houve, ninguém pode negá-los, mas há desarrumações por todos os lados e em todas as séries.
E como era antes? Os saudosistas dizem que a escola era melhor. Era, mas não em todas as áreas. Muitos alunos terminavam o curso científico – que era opção ao clássico, depois do ginásio – sem nunca terem visto um laboratório. Em compensação, ninguém chegava ali sem uma sólida formação humanista.
Linha de passe
É verdade que havia também alguns exageros. Nas provas de Geografia, era exigido dos alunos que decorassem os nomes dos afluentes do rio Amazonas pela margem direita e pela margem esquerda. Várias pessoas ainda hoje sabem isso de cor, mas ignoram para que serve tal conhecimento. E já houve a saudável controvérsia se o maior rio do mundo é o Amazonas, o Nilo ou o Mississipi. Daqui a pouco corremos o risco de saber que é algum rio da China...
Um dia, esses antigos alunos foram meninas ou meninos que quebraram a cabeça para saber o que era pororoca (quando o Amazonas se encontrava com o mar, acho que ainda se encontra, mas não nos interessa mais...) e para responder se os rios Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu chegavam ao rio mais caudaloso do mundo pela esquerda ou pela direita. Içá, Japuru, Negro, Trombetas, Paru e Jari chegavam pelo outro lado, mas qual era a margem correta?
Mais fácil era saber a seleção brasileira, com jogadores do Botafogo e do Santos mesclados de alguns poucos de outros times. Por que não levavam logo a linha do Botafogo, que jamais fez feio na seleção, como no bicampeonato de 1962, com Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagalo? Menino ainda, tive que ouvir de outro botafoguense o seguinte: "Teria sido melhor levar o ataque do Botafogo todo, com o Quarentinha, o Vavá está velho, haveria maior entrosamento, mas, sabe como é, era preciso contentar o Vasco". "E o Santos, o Palmeiras e o Bangu", acrescentava outro, "ou você acha que convocaram o Zózimo por quê?" Zózimo era um dos melhores zagueiros do mundo, mas somente dele exigíamos explicação.
Iracema piauiense
Saber disso não nos impedia de decorar trechos inteiros de Camões, começados por "As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia lusitana/ Por mares nunca dantes navegados..." Cada estrofe tinha oito versos e o objeto direto da oração principal estava no primeiro verso da primeira estrofe, enquanto o sujeito o aguardava no penúltimo da segunda estrofe, disfarçado ao lado de um gerúndio: "(cantando) espalharei por toda parte".
Tínhamos certas técnicas. Espetar o sujeito e sair à cata dos objetos diretos, indiretos, adjuntos nominais, adjuntos adverbiais etc. Tinham valor aqueles exercícios? Tinham. Aprendíamos lógica, sintaxe, complexos plurais e gêneros, história antiga, astronomia, geografia. E aprendíamos a estudar. Aprendíamos que o melhor método era a relação bunda-cadeira-hora, sem a qual nada se aprende.
Em Geografia, tropeçava Castro Alves, poeta de nossa preferência, que fazia famosos rios atravessarem o Saara e situava Angola bem no meio do deserto! Mas escrevia bonito e fizera mais pela Abolição do que todos os que sabiam geografia! "Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!" E havia ainda Machado de Assis: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". Até aqui, fácil, mas depois vinha o vocabulário. Gatuno, sabíamos o que era, masperalta, pelintra, aluá, seguidilha e regaço, o que eram? Machado não era o mais difícil. Vinha Gonçalves Dias, cujos versos, de tão belos, tinham ido parar no Hino Nacional: "Nossos bosques têm mais vida", "nossa vida no teu seio mais amores". Wilson, de todos nós o mais lido, explicava: "No teu solo eles botaram depois".
Depois era a vez de José de Alencar: "Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira." E ainda tivemos que ouvir no recreio, em irrepreensível lógica, que, como o romance se passava no Ceará e Iracema nascera "além daquela serra, que ainda azula no horizonte", e depois do horizonte vinha outro estado da federação, Iracema nascera no Piauí. Portanto, "a virgem dos lábios de mel" era piauiense!
Nem literatura nem mulher
E ainda nem tínhamos ouvido falar de Euclides da Cunha. Para nos humilhar, um dos padres-professores leria um trecho de artigo de jornal – e ele sublinhava "de jornal!" como coisa menor, já que o melhor daquele autor estava nos livros. "Publicado em 1904!", ele acrescentava, "quando os leitores ao menos sabiam sinônimos!" Depois dessas advertências repletas de exclamações, vinha o trecho:






"Li há tempos alentada dissertação sobre um singularíssimo direito expresso em velhas leis consuetudinárias da Borgonha. Direito de roubo... Recordo-me que, surpreendido com tal antinomia, tão revolucionária, sobretudo para aquela época, ainda mais alarmado fiquei notando que a patrocinava o maior dos teólogos, S. Tomás de Aquino."Concluía: "Esta é a primeira das questões dos deveres para casa, vamos à segunda..." O jeito era dividir a tarefa em grupos: quem ficaria com os sinônimos de alentada,dissertação, consuetudinárias, antinomia, alarmado. E Borgonha, onde ficava Borgonha? Quem tinha sido Tomás de Aquino?
E ainda não tínhamos chegado ao Armagedon de Os Sertões, quando até os primeiros da classe se achariam analfabetos completos diante do estilo e das palavras do autor que tinha sido morto pelo amante da própria mulher. Um dos nossos foi ainda mais catastrófico: "Já pensou se ele sobrevivesse? Morreu aos 43 anos e já escrevia assim! Aos sessenta, usaria todo o dicionário e mais um pouco. Bom, dele só sei que nasceu em Cantagalo e morreu no Rio."
Coitado daquele colega. Não gostava de literatura nem de mulher. E não pôde esperar o voto do STF consagrando o que ele mais praticava, a homoafetividade que naqueles tempos tinha sua designação resumida ao nome de um animalzinho muito querido, o Bambi, que ainda não saltitava nas savanas do Discovery, apenas nos quadrinhos de Walt Disney.
"A vergonha de ser honesto"
Mas escapou de ouvir em rede nacional que não é preciso estudar nada, muito menos Língua Portuguesa, sem a qual não aprendemos nenhuma outra matéria, pois todas são ensinadas em português.
Paulo Rónai, judeu-húngaro, que se perdeu de amores pelo Brasil e pela língua portuguesa, esmerou-se em estudar e ensinar latim depois que descobriu ser o português filho do latim. E deixou-nos essa preciosidade que é o livro Não perca o seu latim, explicando, não apenas com dezenas, mas com centenas de provérbios, ditados, máximas, lemas, divisas, inscrições, epitáfios, locuções etc., como o latim está presente, não apenas nos livros de português, mas na vida brasileira. O lema do município de São Paulo, por exemplo, é Duco, non ducor (Conduzo, não sou conduzido).
É oportuno lembrar também que pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos). Que o contribuinte contrata professores para cuidar do ensino, não para rebaixá-lo desse modo. E se para o MEC vale tudo, até o português errado, então para que atormentar os alunos com tantos exames? Enem, Enade, vestibulares, concursos para funcionários e professores etc. foram instituídos para quê? Para humilhar os jovens, sobretudo os mais pobres, cujos pais não podem pagar por boas escolas, e cujas respostas e redações, depois de corrigidas, servem de pasto às maledicências que depois são disseminadas na internet?
O tempora! O mores! (Oh! tempos! Oh! costumes!), exclamava Cícero, pai dos oradores em todo mundo, um século antes de Cristo.
Pois é. Os tempos e os costumes brasileiros nos levaram a esses descalabros, mas convém olhar todo o panorama. A polêmica, conquanto incendiária, dá conta de apenas um aspecto de nosso fracasso educacional. Muitos outros temas e problemas continuam encobertos e é por isso que é estratégico dar um jeito de controlar a mídia, do contrário vamos acabar sabendo de tudo! E ficaremos ainda mais espantados!
Concluamos com Rui Barbosa:






"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
Fonte do artigo :
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=642JDB002


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Artigo do autor do livro Preconceito Linguístico, Marcos Bagno :
Fonte>
http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745

POLÊMICA OU IGNORÂNCIA?

DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA

Marcos Bagno
Universidade de Brasília
Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.
Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia páginae saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos doque eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentementeconvencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).
Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.
Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os
alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela – devidamente fossilizada e conservada em formol – que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.
Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro doconjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.
A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.
Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).
Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa nãosignifica automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los aomundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.
Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles – se julgarem pertinente, adequado e necessário – possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).
O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em quea defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?
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MEC e populismo pedagógico



por Fernando da Mota Lima
Repercutiu na mídia o fato de o MEC (Ministério da Educação e Cultura) adotar um livro de português no qual os autores, ligados à ONG Ação Educativa, justificam e validam na escola expressões linguísticas do tipo: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”. A julgar pelos critérios linguísticos e pedagógicos adotados na obra, corrigir ou reprovar erros dessa natureza seria incorrer em preconceito linguístico. Aliás, a correção seria injustificada, já que não se trata de erro, mas de simples variação linguística. Há aí uma confusão que procurarei esclarecer adiante.
O MEC justifica a adoção do livro alegando que corresponde aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Suponho, baseado no mesmo critério, que o aluno carente poderia justificadamente escrever “Os Parâmetro Curricular Nacionais”. Infelizmente, não é o meu caso. Sendo assim, sinto-me constrangido a escrever seguindo a norma culta relativa à concordância nominal. Pensando melhor, vou me reeducar lendo esses livros adotados pelo MEC, primores do populismo pedagógico corrente na nossa política educacional, para não ser vítima de preconceito linguístico.
Seguindo ainda as justificativas expostas pelo MEC, a adoção da norma linguística culta nas escolas não passa de um mito do qual ele louvavelmente se declara determinado a nos libertar. É sem dúvida alentador saber que uma das missões confessas do MEC é libertar o aluno da tirania que nós professores sobre ele exercemos erradamente apoiados numa noção normativa que não passa de um mito. Esse mito opressor precisa ser varrido das nossas escolas.
Trocando a justificação da ignorância em miúdos (ou inguinorância, como escreveu Clovis Rossi com preciso corte polêmico na sua coluna da Folha de S. Paulo), insistir numa pedagogia baseada nesse mito seria mutilar culturalmente o código linguístico do aluno. Além de constituir uma forma de violência simbólica, como afirmou João Paulo Filho, essa atitude desprezaria o fato de que a língua escrita “não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos”.
Ora, quem disse que postular uma pedagogia baseada na norma culta da língua é confundir a língua escrita com a língua falada ou com os dialetos compreendidos pela língua portuguesa? O reconhecimento da distinção corrente entre língua falada e língua escrita é uma verdade elementar. Mais que essa distinção, é também elementar o reconhecimento da variedade de códigos linguísticos compreendidos pela língua geral que falamos. Eles decorrem das diferenciações objetivas inscritas nas variáveis de classe e região compreendidas por todo complexo linguístico. Uma coisa é reconhecer e respeitar esses fatos comezinhos da realidade linguística de qualquer cultura, outra bem diferente é desqualificar a norma culta, objetivo e ideal de todo processo educativo, em nome de um suposto princípio de democracia linguística que não passa de populismo pedagógico.
Aparentemente, a política educacional postulada pelo MEC é inspirada em princípios louváveis, tanto que a opinião corrente também aparenta aprová-la. Mesmo alguns críticos que contra ela se pronunciaram, como é o caso do professor Evanildo Bechara, invocam apenas argumentos restritos ao pragmatismo social, que bem entendido significa zelar pelas oportunidades de ascensão social dos estudantes. Dizendo melhor, é preciso induzir o estudante à aprendizagem da norma culta por constituir ela uma das precondições de ascensão profissional baseada na educação escolar. O buraco é mais embaixo, como reza o lugar comum. O episódio que aqui discuto é antes de tudo um sintoma entre muitos de uma pedagogia que mais e mais se impõe nas nossas escolas e o próprio MEC, instituição reguladora do nosso sistema educacional, tende a promover.
Dado que me falta autoridade para discutir aspectos mais amplos e precisos da nossa política educacional, prendo-me unicamente a algumas observações de caráter geral. Formar a criança e o jovem para o exercício da cidadania, um dos alvos da educação, é um ideal agora rotineiramente deformado por idiotices como o slogan “criança cidadã”, que evidentemente supõe a consciência e o exercício da cidadania na infância. Que dizer de um disparate desses? Outro de circulação ainda mais ampla, verdadeiro refrão da pedagogia permissiva e enganadora de adoção generalizada, reside na ilusão de supor que a aprendizagem deve basear-se no prazer. Aprender brincando, aprender gozando, são lugares comuns na representação da experiência educativa. Esse disparate circula nos clipes publicitários das instituições educacionais difundidos pela mídia e, o que é mais grave, é de fato adotado pela escola em geral, assim como em muitos projetos e programas pedagógicos.
Introduzir o aluno no universo da norma culta da língua foi sempre um dos objetivos do sistema escolar. Do contrário, qual o sentido de educá-lo? Quero dizer, se o objetivo é mantê-lo prisioneiro do código restrito que emprega, reflexo aliás da sua subordinação social e das condições culturais restritas características de um ser em formação, por que então puni-lo com as agruras necessárias de qualquer processo educativo? Ninguém aprende sem esforço, disciplina e constância, tenhamos o bom senso de admitir essa platitude implicada em qualquer experiência de aprendizagem. Ninguém toca violão sem fazer calo nos dedos que desenham uma sequência de acordes no braço do instrumento, assim como ninguém se torna um craque de futebol, valho-me do exemplo mais universal da cultura contemporânea, sem muito suor, aplicação e tenacidade. Se a aprendizagem que qualifica os atores para o reino do entretenimento é assim, o que dizer no âmbito da escola, da educação formal? Os lugares comuns que acabo de mencionar seriam inteiramente dispensáveis, não fosse o clima corrente de fantasia publicitária em que passamos a viver na mídia, nas escolas, nas práticas e representações culturais dominantes.
O populismo pedagógico que denuncio é mais grave, também de percepção restrita, porque ele se mascara sob as vestes de uma ideologia aparentemente muito louvável. Ele supostamente se põe em defesa dos oprimidos, das camadas socialmente subordinadas ou ainda das classes desprivilegiadas, como reza outro lugar comum. Por isso é proposto por pessoas que se identificam como de esquerda. Tenhamos no entanto a coragem de afirmar que serve em termos efetivos apenas para manter o estudante pobre no estado de subordinação social que a educação deveria concorrer para transformar. Um dos meios de se alcançar tal ideal consiste precisamente no acesso ao código elaborado da língua, ou na assimilação da norma culta que conduz à consciência crítica da sociedade, à capacidade cognitiva de propor alternativas para a ordem social existente, para o estado de desigualdade e exploração corrente na sociedade brasileira. Introduzir o aluno no universo da norma culta significa, noutros termos, abrir os horizontes da sua consciência para a crítica dos preconceitos e ideias feitas enraizadas no solo social onde domina a consciência espontânea.
Já que os propositores da pedagogia populista e pseudoigualitária invocam argumentos ideológicos de esquerda, quando não francamente revolucionários, conviria ressaltar que nenhum revolucionário que conheço confiou na consciência espontânea do povo. Karl Marx, líder supremo do comunismo moderno, denunciou a consciência espontânea do povo, assim como, nas suas palavras, a idiotia rural, que precisaria ser superada como precondição da revolução proletária. Lênin foi mais longe e postulou a necessidade do revolucionário profissional, cuja função maior seria o exercício de um apostolado revolucionário intransigente, já que o povo, mergulhado na consciência espontânea e alienada, jamais se mobilizaria em favor da revolução, fato que a história das revoluções parece comprovar. A evidência disponível – ou a que conheço, noutras palavras – indica que não houve na história revolução baseada na consciência espontânea do povo.
Mas deixemos a revolução de lado, já que ela não figura nos meus propósitos ideológicos e de resto não identifico nenhuma possibilidade revolucionária no horizonte da história acaso comparável ao figurino das revoluções que sacudiram o século 20. Os limites e fins que viso são bem mais modestos, como suponho sejam também os do MEC e os do establishment pedagógico. O que tenho em mente é a assimilação da norma culta da língua, ou do código linguístico elaborado, como uma das precondições de uma consciência social crítica, passível assim de propor mudanças necessárias no quadro de uma sociedade caracterizada por condições iníquas e exploração do povo. Propor orientações pedagógicas ao gosto dos autores da ONG Ação Educativa é apenas concorrer em termos efetivos para a manutenção das condições sociais que a pedagogia populista supostamente combate.
Professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco.

Fernando da Mota Lima

Fonte :
http://www.amalgama.blog.br/05/2011/mec-e-populismo-pedagogico/
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“O aluno não vai para a escola para aprender ‘nós pega o peixe’”
Imortal da Academia Brasileira de Letras diz que língua familiar é aceita do ponto de vista linguístico, mas não deve ser  ensinada
Thais Arbex, iG São Paulo | 13/05/2011 21:06


Para o gramático Evanildo Bechara, autor da Moderna Gramática Portuguesa, o aluno não vai para a escola “para viver na mesmice” e continuar falando a “língua familiar, a língua do contexto doméstico”.



Sempre se vai para a escola para se ascender a posição melhor. A própria palavra educar, que é formada pelo prefixo latino edu, quer dizer conduzir. O papel da educação é justamente tirar a pessoa do ambiente estreito em que vive para alcançar uma situação melhor na sociedade”.
Em entrevista ao iG, Bechara, que ocupa a cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras e é autoridade máxima no Brasil quando o assunto é novo acordo ortográfico, afirma que a proposta do livro didático de português que dedica um capítulo ao uso popular da língua Por uma vida melhor, da coleção Viver, Aprender, adotado pelo Ministério da Educação (MEC) para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), está perfeita do ponto de vista do técnico. Mas do ponto de vista do professor de português, segundo ele, é como se dissesse: “eu vou ensinar o que é correto, mas se você quiser continuar usando o menos correto, você pode continuar”.
Segundo Bechara, neste caso, está se tirando do aluno o que ele considera o elemento fundamental na educação: o interesse para aprender mais. Mas, para o acadêmico, o sucesso da sala de aula não depende do livro adotado. Depende da técnica e do preparo do professor. .
Foto: Divulgação
“O bom professor é aquele que desperta no aluno o gosto pelo aprender”, diz gramático Evanildo Bechara
O livro didático de língua portuguesa Por uma vida melhor, da coleção Viver, Aprender, adotado pelo Ministério da Educação (MEC), dedica um capítulo ao uso popular da língua. Qual é a opinião do senhor? 
Evanildo Bechara: Em primeiro lugar, o aluno não vai para a escola para aprender “nós pega o peixe”. Isso ele já diz de casa, já é aquilo que nós chamamos de língua familiar, a língua do contexto doméstico. O grande problema é uma confusão que se faz, e que o livro também faz, entre a tarefa de um cientista, de um linguista e a tarefa de um professor de português. Um linguista estuda com o mesmo interesse e cuidado todas as manifestações linguísticas de todas as variantes de uma língua. A tarefa do linguista é examinar a língua sem se preocupar com o tipo de variedade, se é variedade regional, se variedade familiar, se é variedade culta. Ele estuda a língua como a língua se apresenta. Já o professor de português, não. O professor de português tem outra tarefa. Se o aluno vem para a escola, é porque ele pretende uma ascensão social. Se ele pretende essa ascensão social, ele precisa levar nessa ascensão um novo tipo de variante. Não é uma variante que seja melhor, nem pior. Mas é a variante que lhe vai ser exigida neste momento de ascensão social.
iG: Para o MEC, o papel da escola não é só ensinar a forma culta da língua, mas também o de combate ao preconceito contra os alunos que falam “errado”. Como o senhor avalia essa orientação?Evanildo Bechara: Ninguém vai para a escola para viver na mesmice. Eu chamaria de mesmice idiomática. O aluno vai para a escola, mas acaba saindo dela com a mesma língua com a qual entrou. Portanto, perdeu seu tempo. Na verdade, sempre se vai para a escola para se ascender numa posição melhor. A própria palavra educar, que é formada pelo prefixo latino edu, quer dizer conduzir. Então, o papel da educação é justamente tirar a pessoa do ambiente estreito em que vive para alcançar uma situação melhor na sociedade. Essa ascensão social não vai exigir só um novo padrão de língua, vai exigir também um novo padrão de comportamento social. Essa mudança não é só na língua. Portanto, não é um problema de preconceito. E, para esses livros, parece que o preconceito é uma atitude de mão única. Mas o preconceito não é só da classe culta para a classe inculta, mas também da classe inculta para a classe culta.
iG: Segundo a autora do livro, Heloísa Ramos, a proposta da obra é que se aceite dentro da sala de aula todo tipo de linguagem, ao invés de reprimir aqueles que usam a linguagem popular... 
Evanildo Bechara: Acho que do ponto de vista do técnico em língua, está perfeito. Mas do ponto de vista do professor de português, é como se você dissesse “eu vou ensinar o que é correto, mas se você quiser continuar usando o menos correto, você pode continuar”. Então, qual estímulo você dá a esse aluno para ele ascender socialmente? Você está tirando dele o elemento fundamental que funciona na educação: que é o interesse para aprender mais.
iG: Ao defender o uso do livro didático com linguagem popular, o senhor acredita que seria função do MEC preparar o professor para usar esse material?
Evanildo Bechara: Eu acho que não é função do MEC preparar o professor. A função do MEC é dar as condições necessárias para o bom desempenho do professor. E o bom desempenho do professor começa com um bom salário. A função do Ministério não é uma função pedagógica. A função pedagógica é das instituições universitárias, das faculdades de pedagogia, das faculdades de letras. O que o Ministério faz, com muita justiça, é distribuir livros. Mas ele não tem que tomar conta do preparo do professor. O professor tem que ser preparado pelas instituições adequadas. O ministério faz bem em comprar bons livros e distribuí-los para as escolas. Isso é uma coisa perfeitamente digna de elogio. Mas modelar o professor e, por exemplo, comprar livros que falem muito bem de um governante e muito mal de outro governante, num enfoque político dirigido, isso já não é tarefa do Ministério da Educação.
iG: O senhor vê algum problema na utilização desse livro em sala de aula?
Evanildo Bechara: Eu não vejo problema pelo seguinte: porque o sucesso da sala de aula não depende do livro adotado. Depende da técnica e do preparo do professor. Um bom professor pode trabalhar muito bem com um mau livro, assim como um professor sem preparo não consegue tirar tudo de bom do aluno com um bom livro. Porque ele está mal preparado e não sabe aproveitar o livro. O sucesso da sala de aula não depende do livro adotado. Mesmo porque o bom professor não é aquele que ensina. O bom professor é aquele que desperta no aluno o gosto pelo aprender. A sala de aula, o período de escola do aluno, é um período muito pequeno para o universo de informações que ele deve ter para ter sucesso na vida. Pelo menos teoricamente. No meu tempo de aluno, nós tínhamos apenas dois livros: durante quatro, cinco anos, tínhamos a mesma antologia e a mesma gramática. Mas, embora os professores não tivessem tirado o proveito das universidades, eles levavam para a escola uma cultura geral muito boa. E era essa cultura geral do professor de matemática, de física, de química, de português, era o grande atrativo para o aluno. Mas o professor que se limita ao programa estabelecido pelo livro didático, é um professor que é conduzido, é um professor que não tem conhecimento suficiente para sair dos trilhos oferecidos pelo livro didático.


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