Artigo - A Escola Vista pelo Cinema





Prof. Dr. Amaury Cesar Moraes
FEUSP

1. Por que cinema?

À primeira vista, parece não aconselhável que tratemos de um tema da educação - A Escola - a partir de um referencial não estritamente técnico - O cinema -, mas sim daquele consagrado - As Ciências da Educação. Para nós, entretanto, o cinema cumpre esse objetivo de modo interessante. Os filmes têm sido tratados mais como meios (recursos) e menos como objetos de ensino quando trazidos à escola básica. Raramente são explorados no seu potencial de veículo das representações sociais. Menos ainda no que se refere à pesquisa sobre o imaginário social. (TURNER, 1997)

Para nós, os filmes são uma fonte importante de conhecimento da realidade, porque de algum modo se propõem a “reconstruir” essa realidade – de modo realista, naturalista, surrealista, alienante, engajado etc. Para além da ilustração que podemos recortar nos filmes, vemos também os pressupostos dessa ilustração.(SERRANO apud BITTENCOURT, s./d.)

É nesse sentido que tomamos a expressão “empresa epistemológica” de Xavier (1983) para enformar nossa perspectiva. Entendemos que tomando os filmes que tratam de escola e que têm o professor como protagonista, podemos de certo modo recolher informações sobre as “representações sociais” sobre a escola, ou o que aqui para nós dá na mesma, como o imaginário social representa a escola e a atividade docente.

Poderíamos recolher tais dados em entrevistas com pais, alunos, professores e outras pessoas; poderíamos tomar as leis para delas extrair uma visão sobre docência e escola; poderíamos ir até a literatura e fazê-lo; poderíamos ir até os chamados filósofos da educação e recortar em suas filosofias o “dever ser” para a educação e o educador. Ou seja, poderíamos percorrer as mais variadas formas do discurso pedagógico e nelas encontrar concepções sobre educação, escola e professores. Nosso caminho é outro: não são diretamente as pessoas que compõem esse “social”, nem são as ciências e filosofia da educação tampouco. É um modo, digamos, oblíquo, meio de esguelha, mas acreditamos tão válido ou tão fecundo como qualquer outro.

Não são documentários nem são filmes “de arte”. São filmes bastante comuns, alguns muito convencionais, cheios de “clichês” e soluções também bastante óbvias para os problemas tratados. Raramente avançam por uma via radical. Permanecem em limites suportados pelo público. São filmes de padrão americano e nisso está toda a vantagem – o que para outros pode parecer desvantagem. São filmes, como dissemos, do circuito comercial e por isso, parece-nos, representam melhor esse imaginário social. De certa forma – e isso é nossa hipótese – são condicionados pelo público bastante heterogêneo, não especialista e que assiste a esses filmes como a qualquer outro: de ação, comédias, dramas, suspense etc.. Ora, podemos dizer que há uma solidariedade entre os elementos que compõem os filmes – categorias, conceitos, valores, expectativas, comportamentos – e os que compõem o imaginário social. Os filmes sobre escola estão relacionados com a visão que esse público tem da escola. E aqui adianto um ponto: mesmo nós que vivemos e refletimos sobre esse fenômeno – a educação -, somos surpreendidos ao perceber como compartilhamos certos esquemas, valores, estereótipos e expectativas presentes nos filmes, com o público não especializado e, portanto, “menos crítico”.

A linguagem cinematográfica possui alguns recursos, digamos assim, que permitem que essas relações entre filmes e imaginário social se efetivem. Por exemplo, é possível reconhecer uma identificação entre a vida dos personagens e a nossa vida, ou uma oposição entre os valores de alguns personagens - os vilões, por exemplo - e os nosso valores – ou os recomendados socialmente.(MORIN, 1970) Assim, o filme pode ser uma reconstrução da realidade e o cinema aparece como uma “janela” que nos torna testemunhas da ação. Observem que esta é uma leitura da linguagem cinematográfica, não é a única nem a verdadeira. Tal leitura ainda não existe.

Por outro lado, o cinema opera segundo uma impressão de realidade (METZ, 1972) que favorece aquela identidade ou oposição. Essa impressão de estarmos diante da janela e testemunharmos a ação reforça ou é reforçada pela impressão de realidade que caracteriza os filmes. Quanto mais convencionais tanto mais forte é essa impressão. Observe-se que até os documentários são “construídos” segundo essa impressão de realidade e deles “perdemos” toda a “verdade” da montagem que, se exposta, poderia desfazer ou impedir o mergulho na história. Mesmo o tempo real é usado como recurso pelo cinema, servindo para reforçar aquela impressão de realidade e os sentimentos decorrentes: tensão, angústia, esperança, identificação, oposição.

Outra linha de interpretação poderia dizer, ainda, que o cinema é feito do mesmo material que nossos sonhos. E que essas categorias que aqui apresentamos para compreender os filmes, decorrem primeiro da estrutura dos próprios sonhos. E os sonhos vieram antes do cinema. Ou prenunciaram-nos. Mas aí é toda uma teoria que não exploraremos e nem temos condições de tratar dela, por não ser nossa especialidade.

2. Os filmes

Temos escrito ou participado de eventos que tratam das relações entre educação e meios de comunicação, sobretudo cinema. Aqui vamos apresentar alguns pontos e não trataremos exaustivamente de cada filme ou de todos os possíveis aspectos destacáveis dessas relações. É um grande trabalho e aqui faremos uma introdução ao tema. Uma leitura preliminar, quase exercício ainda.

Para essa breve análise escolhermos quatro filmes que podem ser agrupados dois a dois. Primavera de uma Solteirona e Sociedade dos Poetas Mortos são filmes que tratam de professores que tentam influenciar seus alunos, mas acabam fracassando no seu intento: são demitidos. São professores de carreira. Ao Mestre com Carinho e Sementes de Violência são filmes que tratam da luta de professores contra alunos indisciplinados, que acabam vencendo e continuando na carreira. São não-professores que se tornam professores.

a) A Primavera de uma Solteirona: o título não é bom, parece preconceito. Prime é apogeu, auge, talvez a última primavera, que prenuncia o início dos invernos. É um filme aparentemente simples: trata-se de uma louca que é professora e conduz suas alunas marcada pelo romantismo. Mas não é tão simples assim. Há muita contradição, o que obriga a uma análise mais cuidadosa. O ano é de 1932 e o cenário é uma escola de meninas em Edimburgo. A professora Brodie é comprometida, quer fazer de suas alunas cidadãs, mulheres do século XX, romper com as tradições impostas pela escola, pelos padrões e convenções que fazem da mulher um ser a ser submetido, preparado para o casamento. Brodie propõe o amor para além das convenções sociais – ela não quer se casar, mas manter o seu relacionamento sem compromissos. Mas Brodie é também doutrinadora: “- Faça o que mando e não faça o que faço.”; dona da verdade: “- Quem é o maior pintor italiano?” “- Leonardo Da Vinci, Miss Brodie?” “- Errado, a resposta correta é Giotto!” Quer fazer de cada aluna o reflexo de cada uma de suas facetas: de uma escritora, de outra modelo e amante, de outra qualquer coisa (Mary MacGregor), de outra, que é fria e confiável, agente secreta. Além disso, Miss Brodie é fascista, defende as ações de Mussoline e Franco. Ora se diz oleira que vai moldando suas alunas; ora se diz educadora que vai conduzindo para fora – educar (ex-duco) – as potencialidades que estão dentro das alunas. Talvez o problema seja o sinal ou a direção - para a direita. Mas se fosse outro sinal e outra direção – para a esquerda – e aí nossa identificação seria maior com Miss Brodie? Observe-se que ela está em luta contra uma educação tradicional; e o fascismo ainda representava uma certa expectativa de modernidade contra os velhos regimes e a fraqueza das democracias liberais.

b) Sociedade dos Poetas Mortos: esse filme passou a ser um paradigma para se pensar o professor em luta contra padrões tradicionais de educação. Mas pouca diferença tem (e para pior em termos de clichês) em relação ao anterior. A concepção de poesia do Prof. Keating é discutível. Ele não aceita outras formas de interpretação da poesia que não seja a sua. Pede aos alunos que o chamem de “Meu capitão”. O que isso significa? A formação que ele teve na escola foi condição da sua competência presente? Como pensar essas relações? Por que ele não prepara o aluno Neil para fazer a ruptura? Miss Brodie podia ser confusa porque era romântica, mas o Prof. Keating não é romântico. Mas é também um doutrinador. Isso escapa a quem apenas apresenta o filme com o intuito de combater a chamada escola tradicional. Observe-se que cada um quer ver algo no filme – não tudo, nem as contradições -, mas algo que quer reforçar. Esse filme pode servir para esse propósito. Nós o vemos para outros: por que reviver a Sociedade dos Poetas Mortos se devemos aproveitar o dia? O prof. Keating quer retornar a sua juventude a partir da retomada da Sociedade dos Poetas Mortos pelos seus alunos. É certo que a escola vive no passado. É certo também que todo professor é um vampiro: mantém-se jovem pelo contato com os jovens. Mas o que é formar os outros? É reproduzir-se nos outros?

c) Ao Mestre com Carinho: esse era o filme paradigma anterior ao aparecimento de Sociedade.... O Prof. Thackeray reunia elementos bastante idealizados para nos comover. Não bastasse isso, vinha ainda a música “To sir with Love” para completar o sonho. Fazer de jovens ingleses, em plena era da contestação (1967), jovens conscientes e comportados, úteis socialmente era tarefa difícil. Mas o professor tinha recursos extras: era negro, vinha de uma colônia britânica da América, era engenheiro e não propriamente professor. Tomemos esse último senão transformado em vantagem: por não ser professor de carreira, ele não estava submetido a padrões de comportamento esperados de professores – não fala mal dos alunos, não reclama do salário, não toma educação como um fim -; por ser um profissional do “mundo externo” à escola, ele pode ver a escola como um meio, preparando os alunos para a vida – chega a ensinar-lhes a fazer salada -, nega-lhes a imagem de um professor tradicional, trata-os como adultos e não crianças: inspira-lhes responsabilidade. Mas, como dissemos, o filme é prisioneiro de uma época, é marcado pelo tempo. Nesse sentido, Sociedade... , que retrata uma época anterior, é menos comprometido com o tempo real, trata-se de uma abstração em que o tempo é acidente e não essência. Ao Mestre... não escapa do tempo em que foi feito, perde com isso boa parte da impressão de realidade...

d) Sementes de violência: é a história de um professor, ex-soldado que retorna ao país e busca um emprego numa escola pública do subúrbio. São os anos ’50 e a juventude está passando por um processo de mudança de comportamentos: é o rock’n’roll, são os blue jeans, é o consumo de bebidas, são as experiências sexuais, é a contestação ao sistema representado pela escola e professores. A “indisciplina escolar”, como em nossos dias, talvez seja a expressão que sintetize esses comportamentos ditos desviantes. O momento também marca uma das etapas de implantação de “políticas de inclusão” das populações marginalizadas: negros e latino-americanos. Os jovens se ressentem de uma educação escolar diversa daquela que recebem em seus lares. Lá, na vida privada, as políticas de inclusão não são reconhecidas como naturais na democratização de oportunidades, mas, simplesmente, como desgoverno. Algo semelhante se passa entre os professores: as políticas de inclusão – ou de democratização do ensino – não passam de mecanismos de controle social da violência dos jovens, transferidos da família ou da polícia para os professores. “- A escola é uma grande lata de lixo da sociedade e nossa função é sentarmo-nos sobre a tampa para que o lixo não transborde” ou “- Nós mantemos esses jovens delinqüentes na escola para que as senhoras, mães de família, possam andar em paz pelas ruas da cidade”, diz o professor experiente, em fim de carreira.O professor recém-contratado, Dadier, traz uma novidade consigo: ele não está animado pelos velhos preconceitos nem pensa na escola como um fim em si mesmo. Apesar dos muitos conflitos que vive, consegue vencer: de um lado, combate a liderança negativa – West, um jovem irlandês, envolvido com bebidas e roubo de carros – e valoriza a liderança positiva – Miller, um jovem negro que trabalha como mecânico para ajudar em casa. Ele vence também porque pensa na escola como meio, sobretudo de preparação para a vida. Pois bem, um dos recursos que utiliza para alterar suas relações com a classe é justamente a projeção de filmes, a partir dos quais mantém debates sobre a vida: o certo e o errado, o justo e o injusto, o bem e o mal etc.. Mas o filme, desde o início, desde o discurso lido por um locutor, objetiva o combate à delinqüência juvenil em tom de nacionalismo e militarismo. O professor que foi combater um inimigo externo, volta e deve combater um inimigo interno. O uso do mastro da bandeira no último conflito do filme é emblemático: com ele imobiliza-se o inimigo e restabelece-se a paz e a ordem necessária.

Bibliografia Básica

METZ, C. A significação no cinema, São Paulo: Perspectiva, 1972.

MORIN, E. O cinema ou o homem imaginário, Lisboa: Moraes, 1970.

SERRANO, J. Epitome de História Universal, Rio de Janeiro: Francisco Alve, 1912, apud BITTENCOURT, C. Cinema, vídeo e ensino de história, São Paulo: mimeo, s/d.

TURNER, G. Cinema como prática social, São Paulo: Ed. Summus, 1997.

XAVIER, I. (org.) A experiência do cinema, Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme, 1983.

Filmes

1) Sementes de Violência ( The Blackboard Jungle, 1955), D.: Richard Brooks, com Glenn Ford;

2) Ao Mestre com Carinho (To Sir with Love, 1967), D.: James Clavell, com Sidney Poitier;

3) Primavera de uma Solteirona (The Prime of Miss Jean Brodie, 1968), D.: Ronald Neame, com Maggie Smith;

4) Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, 1989), D.: Peter Weir, com Robin Williams.

Fonte -

http://www.hottopos.com/videtur21/amaury.htm



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