História da Arte - Paul Gauguin


Gauguin, em Busca do Paraíso

Depois de ter fracassado a sua aliança com Van Gogh em Arles, no sul da França, na tentativa de fundar um microcosmo de artistas voltado inteiramente para extrair do clima e do sol generoso a matéria-prima para as suas obras, Paul Gauguin retomou o seu projeto de reencontrar o mundo primitivo nas sociedades esquecidas nos trópicos. A sua intenção era de ir beber diretamente na sua seiva para poder povoar com novas figuras e paisagens os seus quadros, dirigindo-se então para o Taiti, minúsculo arquipélago perdido nas imensidões do Oceano Pacífico.

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A visão do paraíso segundo Gauguin


A Lenda de Gauguin


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Gauguin, crucificando-se pela arte
Um das mais insistentes lendas que corriam a respeito de Paul Gauguin, afirmada ainda mais pela novelaThe Moon and Sixpence (Um gosto e seis vinténs, 1919) de Somerset Maugham, era a do homem de classe média, pai de numerosa prole, um corretor honesto e profissionalmente estabelecido que, num repente, larga tudo e dedica-se à sua recém-descoberta vocação de pintor, dedicando-se a ela com "o fanatismo e a ferocidade de um apóstolo". Ele fora atingido por tal raio inspirador, o da decisão de tornar-se um artista, no dia em que visitou a exposição dos

reprodução (Gauguin)
Três taitianos
impressionistas realizada no atelier do fotógrafo Nadal na rua Daunou em Paris, entre 15 de abril e 15 de maio de 1874. Autodidata assumido, Paul Gauguin empenhou o resto dos seus dias para satisfazer o gênio com que, desde então, foi possuído. Porém o tal gesto, quase que um tresloucado, foi mais uma versão romântica do que realmente ocorreu com ele.


Uma Avó das Arábias


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Flora Tristan, avó de Gauguin
Gauguin, em verdade, herdara um temperamento destemido e aventureiro que vinha da sua avó, Flora Tristan, uma escritora feminista e libertária, que nascera no Peru e que privara com líderes socialistas na Inglaterra e na França até morrer precocemente em 1844. Além disso, foi determinante para sua ruptura completa com o modo de vida pequeno-burguês que levava a sua crescente amizade com o pintor Camille Pissarro, um dos mais significativos ativistas da escola impressionista. Aproximação que ele fez questão de estreitar desde 1873, e mais ativamente a partir de 1878. Seguramente essa idéia de ir procurar em ilhas remotas, longe das coisas européias civilizadas, a "essência primitiva" de um arte perdida - algo assim como um Rousseau aplicado à estética da pintura - veio-lhe daquele pintor, ele mesmo um homem nascido na ilha caribenha de Santo Tomás, em 1830. Pissarro ainda ensinou-lhe outra coisa. Sendo enfático nisso: a arte é exigente. Ela requer uma devoção integral. Não havia hipótese de Gauguin vir a conciliar seu emprego de corretor da bolsa e outras atividades bancárias com o ofício de pintor. Então, para o desespero de sua esposa Mette, uma sisuda dinamarquesa de fé luterana que lhe dera cinco filhos, ele jogou tudo para o ar para assumir o seu destino. Portanto, foi o amálgama, digamos, da herança genética da avó com a amizade de Pissarro, quem de fato impulsionou-o para uma outra vida.


Um Outro Gogh Louco

Depois do fracasso dele em Arles, Gauguin retirou-se de volta à Bretanha, onde já andara no passado. Escolheu um lugarejo chamado Pouldu, um minúsculo porto no Atlântico. A sua esperança, visto estar a quase zero, era que Theo van Gogh, o irmão de Vincent (a quem Gauguin conhecia desde quando Theo e Vicent deslumbraram-se pela tela vegetação tropical, inspirada na sua viagem à Martinica em 1887), o gerente da casa de artes do senhor Bousson, vendesse alguma coisa dele. Entrementes, o nome dele passou a circular nos meios literários simbolistas, especialmente junto a Mallarmé, e da nova geração de pintores, como um novo deus das artes, ainda que não reconhecido pelo grande público nem pelo bom sonante. Gauguin vibrou com um telegrama que Theo lhe enviara com a promessa de compra de um lote das suas telas. Retornou então a Paris, instalando-se na casa do corretor Claude-Émile Schuffenecker. Hesitava ainda até aquele momento em procurar montar o seu estúdio nos trópicos, em Madagascar ou no Taiti, bem longe da "podre Europa", como ele dizia. E eis que tudo desaba novamente. Theo cai doente. Enlouquecera como o irmão Vicente, que se suicidara. Recolhido à Holanda, morre em janeiro de 1891. O dinheiro que ele imaginara voando para as suas mãos, evaporou-se. Junta então os tostões e decide-se pelo Taiti.

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Vicente e Theo, os irmãos van Gogh, muito ligados a Gauguin





Um Comentário Estético

Foram vários os motivos que empurraram Gauguin para aquela viagem para o outro lado do mundo. Pobreza, o redespertar de um adormecido espírito de aventura, lembrança dos seus cinco anos de vida no mar, o cansaço com a Europa e a trivialidade da vida artística parisiense, a falta de aceitação pelo grande público (suas telas, como a da maioria dos impressionistas, eram vistas como borrões de uns alucinados), mas fundamentalmente, um esgotamento da sua pintura daquela fase. O Gauguin pré-Taiti assemelha-se muito a Vicent van Gogh, suas mulheres do campo, suas aldeãs com toucas típicas, pouco se diferenciam das que o grande holandês pintara. Nem os auto-retratos dele fogem muito ao padrão de Van Gogh. Não custa imaginar-se que o seu afastamento definitivo da companhia de Vicent não deveu-se apenas ao crescente avanço da perigosa loucura do amigo, mas porque Gauguin, apesar da sua forte personalidade e assombrosa energia, não conseguia escapar da influência estética dele. Logo o Taiti pareceu-lhe de boa distância. Lá, apesar dele sempre ter confessado que trazia suas pinturas todas elas no seu cérebro, ele seria ele mesmo.

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Camponesas bretãs de Gauguin, tema comum a Van Gogh


No Taiti


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Montanhas do Taiti, por Gauguin e ao vivo
Com a família despachada fazia tempo para a Dinamarca, Gauguin embarcou em Marselha em 1891 para a grande aventura. Atravessando os oceanos, 63 dias depois desembarcou, emocionado, em Papeete, o lugarejo mais importante do arquipélago e sede do governo colonial francês, embalando pelas promessas do verso de Baudelaire Lá tout n´est qu´ordre et bauté/ Luxe, calme et volupté (Lá onde tudo é ordem e beleza, luxo, calma e volúpia). Élie Faure, o historiador da arte, nunca entendeu a razão da longa fuga de Gauguin em direção aos mares do sul, dele ter-se enfiado em meio aos primitivos para buscar inspiração ou mesmo motivação, nem aceitou o fascínio de Gauguin por aquele paraíso Polinésio perdido no meio do nada. O pintor, porém, estava convicto que aquela era uma missão de purificação, de afastar-se da civilização e procurar junto àquela gente simples um espécie de essência primeira da arte que o mundo europeu havia perdido para sempre. Havia também um proposta crítica, extraída dos ensinamentos de Rousseau. Enquanto suas telas européias concentram-se, a maioria delas, nos duros trabalhos do campo, na sensaboria do dia-a-dia do camponês, vida sacrificada ao altar da civilização, as que ele desenhou na polinésia celebraram o ócio e a lassidão tropical. O seu desejo de mergulhar naquele mundo de palmeiras, de frutas doces e cabanas de palha foi tamanho que até arranjou, para escândalo e ruína da sua imagem junto à pequena comunidade colonial, um casamento maori com a nativa Tehamana. Tratava-se de uma saudável Eva polinésia que, durante um tempo, serviu-lhe de musa e modelo. Uns meses depois, Paris começou a ser inundada pelas telas daquele mundo exótico, de colorido fortíssimo, luxurioso, mas as coisas boas chegaram muito tarde para Gauguin.

reprodução (Nevermore - Fatata Te Miti)
Ócio e sensualidade inocente nos trópicos


Noa-noa


reprodução (Nave Nave Moe)
A doce vida nos trópicos
Numa das passagens do seu depoimento sobre sua experiência nos mares do sul, intitulado Noa-noa, onde registrou a hesitação que sentiu em suas primeiras experiência taitianas, Gauguin escreveu:
Tout m'aveuglait m'éblouissait dans le paysage. Venant de l'Europe j'étais toujours incertain d'une couleur cherchant de midi à 14 heures : celà était cependant si simple de mettre naturellement sur ma toile un rouge et un bleu. Dans les ruisseaux des formes en or m'enchantaient. Pourquoi hésitais-je à faire couler sur ma toile tout cet or et toute cette réjouissance de soleil. Probablement de vieilles habitudes d'Europe, toute cette timidité d'expression de nos races abatardies.

reprodução (La Orana Maria)
Uma bela raça exuberante
(Tudo me deslumbrou e me maravilhou na paisagem. Vindo da Europa eu estava sempre na incerteza de encontrar uma cor entre o meio-dia e às 14 horas: isto, fazia com que eu naturalmente colocasse na minha tela um vermelho e um azul. Em meio a um rio de formas que me encantavam. Porque eu hesitava em colorir a minha tela com toda aquele ouro e alegria do sol? Provavelmente devido aos velhos hábitos da Europa, toda esta timidez de expressão das nossas raças abastardadas.)









Como grande fã do Kiefer Sutherland, fui atrás do filme no qual interpreta o personagem de Gauguin, fantástico filme !
Outro dia volto para falar do filme.





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